domingo, 8 de setembro de 2013

Sem título nenhum

Os deuses de alguma mitologia antiga
criaram um homem de pedra.
Apenas o seu coração era humano.
Este homem sou eu, querida.

Trouxeram-me à terra
para disseminar o amor e a paz.
Jogaram-me no ringue
para exterminar os gladiadores.
Mas veja.
Olhe pra mim.
Por ironia dos deuses
eu não tenho armas.
Tenho apenas duas mãos,
uma cabeça fora do lugar,
deslocada nas guerras
e um desejo de vida.


Nos campos de batalha
perdi meu coração
O único guerreiro
capaz de levantar um espada
diante do filho dos deuses,
arrancou meu coração
com inexorável brutalidade
que até hoje me foge a compreensão.

Querida, aqui começamos uma jornada.

Por muito tempo, sangrando
e sem coração,
vaguei pelas ruas desse mundo.
Não me viam mais.
Não era mais filho dos deuses.
Apenas um corpo de pedra
sem um coração que lhe pulse.
Um filho, mas agora era da puta.

Caminhei pelas estradas,
pelos becos e esgotos.
Sempre a procurar
pelo guerreiro que me desfez.
Procurando o paradeiro
que o guerreiro deu ao meu coração.

Os deuses não me ajudaram,
por meu corpo de pedra
só havia a esperança
de que um dia encontraria o guerreiro
que tirou-me o que me fazia humano.
Queria perguntar-lhe sobre suas técnicas,
suas habilidades e pelo ferreiro nobre
que teve a honra de forjar sua espada.
Lembro-me apenas das mãos suaves
que arrancaram meu coração
com  a maestria de um mago.

Eu escrevia cartas para o guerreiro.
Os homens riam de mim, pois não é humano
amar o próprio carrasco.
Mas, que humano era eu,
se nem ao menos tinha sangue
em minhas veias de pedra.
Eu deixava as cartas
em locais sagrados,
onde apenas guerreiros nobres,
como o meu carrasco,
poderiam chegar.

Certo dia, outros guerreiros nobres
vieram até meu corpo vazio.
Nenhum deles tinha notícias de meu carrasco.
Eles disseram-me  que havia uma curandeira
roubando todas as minhas cartas.
Por um bom tempo
não entendi porque ela fazia isso.
Certo dia, cheguei até ela.

Minhas vestes absurdas,
meus membros inúteis, de pedra semipolida.
Havia uma curandeira roubando as cartas
que eu escrevia ao meu carrasco.

Incrédulo, fiquei confuso com o porquê
que a levava a roubar meus escritos.
Ela gostava de mim.
Mesmo com meu corpo inanimado,
sem ter um coração.
Em meio a tantos homens decentes
a curandeira escolheu amar uma estátua
inanimada e inerte de pedra.
Roubava meus escritos para si,
pois de alguma maneira que eu não entendia,
sabia que o carrasco não os lia.
Sabia que o carrasco não merecia
as madrugadas que dedicava
à escrita de minhas obsoletas cartas.

Até que chegou o dia em que
eu decidi escrever uma carta
para a própria curandeira
Uma carta dizendo que havia um mar
por trás de todas as cartas para o carrasco
que são agora, apenas grãos.
Grãos estes que me compõem, de uma forma
ou de outra.

Curandeira, percebo apenas agora
que o carrasco não me devolverá
o coração arrancado pulsando.
Não me contará sobre suas espadas
e nem me dará um último golpe,
que faça de minha pedra areia.

(segundo um alquimista idiota,
areia é uma pedra menor que 2mm)

Curandeira, percebo que você não é carrasco.
Percebo que suas ervas me trarão
o sangue às veias, aos poucos.
Percebo que sua magia transformará
destroços de teu próprio coração vermelho
em algo que dará vida
a mim e a você.

Adianto-me nas desculpas
Não poderei seguir tua delicadeza
com minhas mãos de pedra indecente.
Meus tempos não serão os teus,
mas quero que me cures, se é isto que queres.
Quero que sua vontade seja feita.

Conjure suas magias
nas pedras de meu corpo.
Faça o carrasco morrer
na dureza de minhas linhas.

cure.

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