domingo, 18 de novembro de 2012

João

Para João Andernach e Maria Cambria. E Isabel.


I

João, tu não cansa dessas estradas?
as pedras que você guarda neste caminho
não têm valor nenhum.
Teus bolsos estão furados, João.
Está cego. 

Arrancaram teus olhos há anos.
e agora você só vê essas linhas.
João, tu também morrerá.
Você parece a areia da ampulheta.
Parece o grão de arroz do almoço.
Um grão no meio da refeição.

João, abra a bíblia e a leia. 
Teu mundo é tão fascinante,
suas pernas são peludas. 
Esqueça do computador.

João, tu não cansa dessa estrada? 
Pare num hotel qualquer.
Ah, esqueci que não tem dinheiro para pagar.
Pare teu carro imaginário no acostamento e chore.
Na margem do rio, em dias de chuva: descanse.
Canse dessa estrada, João. 

Pare de escrever sobre si em terceira pessoa.


II

Canso-me dessa estrada. 
Ganhei um canivete
em meu aniversário
de 16 anos.
"Stainless Steel"
Meu nome é João.

João, filho da Maria. Que se foda minha mãe. 
Mas que ela se foda bem menos que o resto do mundo.
Que se foda o meu pai. Mas que a morte dele seja lenta.
Uma lenta despedida do mundo, de mim, das cores.

Sinto que tenho que tirar as mãos dos olhos.
Não estou cego. Ninguém está.
Há uma bíblia esquecida em minha escrivaninha.
Há uma mulher esquecida em minha memória. 
Que se fodam os animais. Eu como carne assada,
hambúrguer e espetinho de linguiça.

Desejo que um dia Deus devore os humanos
em um grande churrasco de domingo.
Eu sou um Deus. Escreverei minha bíblia,
se um dia o medo me deixar cometer meu suicídio.

Tenho que depilar minhas pernas, minha pélvis.
Tenho que cortar meus cabelos sujos. Lavá-los.
Jogar água no processador de penúltima geração.
Tenho que ter medo de mim mesmo.

Porque eu não nasci sabendo enxugar minhas lágrimas?


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